Major do CBMPR apresenta manual de atendimento a pessoas autistas 24/04/2024 - 13:35

O Corpo de Bombeiros Militar do Paraná (CBMPR) promoveu nesta quarta-feira (24), no quartel do Comando-Geral, em Curitiba, uma apresentação voltada ao abril azul - mês da conscientização sobre o autismo. O  major Murilo Sinque de Paula, do 3º Comando Regional de Bombeiro Militar do Paraná, expôs aos companheiros de farda parte dos ensinamentos presentes em seu recém-escrito “Manual  de Atendimento a Emergência a Pessoas no Espectro Autista”.

A obra é uma combinação dos conhecimentos adquiridos como profissional de resgate e em pesquisas acadêmicas, mas principalmente de sua experiência pessoal. Ele é autista e tem um filho também neurodivergente. “O livro é enriquecido pelas minhas experiências pessoais e acadêmicas, e traz um conteúdo que combina teoria e prática, oferecendo estratégias de comunicação e abordagens adaptadas às necessidades das pessoas autistas em momentos de crise”, comentou o oficial bombeiro.

Desse modo, o objetivo da publicação é ser um guia prático e teórico para profissionais de segurança pública, educadores, familiares e demais interessados no tema. “Ele visa garantir um atendimento técnico humanizado às pessoas autistas em situação de emergência”, reforçou o autor. 

“A ideia é mostrar, pelos olhos da pessoa autista, o que as autoridades de segurança pública podem fazer para evitar equívocos no atendimento. Mostrar que reação essa pessoa autista pode ter e como mitigar a situação para que ela não escale a ponto de virar uma crise ainda maior”, explicou o Major Sinque, que se descobriu autista depois de pesquisar o tema para compreender melhor a situação do filho, este diagnosticado quando tinha um ano e oito meses. Hoje, o Mateo tem quatro anos e meio.

Previsto para ter sua versão física lançada em maio, o manual, escrito em texto didático e de fácil entendimento, atualmente está disponível de modo virtual. A obra está em vias de se tornar um curso de ensino a distância com videoaulas, com duração aproximada de seis horas no total. Este curso, que está em fase final de desenvolvimento, visa capacitar profissionais de segurança pública em todo o país. O objetivo é proporcionar um atendimento mais inclusivo e seguro aos cidadãos.

O manual será disponibilizado virtualmente para todos os bombeiros que se interessarem e também terá versões físicas distribuídas para utilização nas unidades da instituição. 

Trabalho de conscientização - Um dos pioneiros na discussão do tema dentro do CBMPR, o tenente-coronel Jonas Emmanuel Benghi Pinto, pai de uma moça de 17 anos no espectro autista, destacou durante o evento a importância dessa iniciativa. “É uma grande evolução. Coloca o Paraná e o Corpo de Bombeiros Militar do Paraná à frente no cenário nacional. Não só no atendimento às pessoas autistas. Estamos tratando aqui do autismo, mas não esquecemos quem tem deficiências como a auditiva, visual ou intelectual, por exemplo”, comentou.

Ele destacou ainda que esse processo de atendimento humanizado e inclusivo ganhou novo impulso institucionalmente em 2022, com uma instrução normativa técnica sobre o tema - definindo procedimentos de conduta em ocorrências envolvendo autistas -, seguida pela revisão de uma portaria que possibilita a redução da carga horária para quem tem filhos com transtorno do espectro autista (TEA). “Hoje estamos em um trabalho forte de conscientização, de preparação e de proteção, tanto do público externo, como do público interno, quando a gente fala em PCDs”, acrescentou.

Quem também enalteceu a oportunidade de se aprofundar um pouco mais sobre o tema foi a 3º sargento Juliana Franceschi Forbeci. “É importante porque às vezes, na hora da ocorrência, você se depara com a situação e tem dúvidas de como agir. A gente fica com medo de fazer algo errado. Treinamentos como este nos ajudam a ter melhor noção para atuar nesses casos”, falou ela, que viveu recentemente uma experiência envolvendo um homem neurodivergente. Um autista em crise se feriu após ser contido enquanto ameaçava uma mulher. Coube à bombeira o atendimento inicial, transcorrido com sucesso.

“A partir do momento que eu vi o crachazinho, percebemos que não era um caso rotineiro, que já era uma ocorrência especial”, explicou ela, que adotou o comportamento indicado para lidar com a vítima autista: falar com calma e explicar passo a passo o atendimento, evitando ao máximo o contato. Foi na palestra desta quarta-feira, porém, que ela se deu conta de outra informação importante. “Ele estava bastante cortado, ensanguentado, e não reclamava de dor. E hoje eu soube que essa é uma característica do autismo”, disse.

Alinhamento - Para o major Sinque, a oportunidade de trazer essas informações à sociedade e, neste momento, ao efetivo do Corpo de Bombeiros, está alinhada tanto com o plano estratégico da Corporação quanto com as políticas públicas estaduais e federais. “O Corpo de Bombeiros não está alheio ao que acontece no ambiente externo. Nosso compromisso é com a vida, com o cidadão paranaense. E esse manual e o Curso de Ensino a Distância é sobre isso, sobre atendimento humanitário inclusivo”, declarou, destacando também os avanços na política estadual.

“Foi aprovado agora em abril, na Assembleia Legislativa, o Código Estadual da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O artigo 23 fala da capacitação dos agentes públicos - na área de saúde, educação, assistência social, segurança pública, trânsito - como diretriz essencial e permanente na proteção e promoção dos direitos da pessoa com transtorno de espectro autista”, complementou, prevendo para maio em torno de mil exemplares da obra sendo entregues a autoridades, associações, corporações, entre outros.

Ele lembrou ainda que há recomendação do Ministério Público para que os treinamentos dos profissionais de segurança pública incluam a preocupação com esse público, e o Corpo de Bombeiros está à frente dessa luta desde o ano passado, quando surgiu esse projeto.

Dicas - o “Manual  de Atendimento a Emergência a Pessoas no Espectro Autista” é visto pelo autor como inovador por não se restringir a uma força de segurança apenas, trazendo um capítulo para cada uma. Sem abordar protocolos de atendimento, que têm manuais específicos, mas concentrando-se apenas no trato com esse público especial.

“Saber as características de uma pessoa autista é o primeiro passo. Pode ser que ela não esteja identificada com um cartão [CIPTEA - Cartão de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista], não tenha um colar de deficiências ocultas, como cordão de girassol ou de quebra-cabeça do autismo. Mesmo sem essas sinalizações, o profissional vai poder identificar e dar um atendimento humanizado”, contou o Major Sinque.

Em caso de crise envolvendo uma pessoa autista, o protocolo básico é entender a origem desse problema e tentar resolvê-lo. “Às vezes, ele perdeu um objeto de conforto, quebrou algum objeto. Às vezes, tem hipersensibilidade sensorial na pele e foi tocado; tem hipersensibilidade auditiva, o ambiente está muito barulhento, com sons de sirene, de cães, de pessoas. Estímulos sensoriais visuais também, como flashes, estrobos, giroflex”, revelou o bombeiro. “A solução é, se possível, restituir o objeto perdido, caso não ofereça risco, reduzir os estímulos sensoriais e afastar curiosos”, complementou.

De modo geral, a indicação é que a comunicação seja calma, direta e precisa, mantendo-se na mesma altura dele, abaixado se for necessário, para não passar uma imagem ameaçadora. É preciso ter paciência, pois a resposta pode ser mais lenta, em função do tempo que muitos autistas levam para processar as informações. O ideal é utilizar perguntas de sim ou não e evitar frases ou perguntas que exijam respostas mais complexas.

“Nunca tente tocar, agarrar ou conter o indivíduo de qualquer maneira, sem prepará-lo. Quase todos os autistas precisam de previsibilidade. Avise o que vai fazer previamente, como um curativo, ou que terá de fazer uso de algema. Avise o que vai acontecer no passo seguinte para que ele se prepare mentalmente, porque se ele não for avisado, é muito possível que entre em crise, devido a quebra de rotina e a rigidez cognitiva”, orientou o autor do manual.

 

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